segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Cego por querer

Era cego. Nada mesmo enxergava. Ficou cego bem cedo, por volta dos catorze anos. Doze, creio eu... A partir disso, foi mais complicado viver. Óbvio! Enxergar permite ao homem viver a realidade. E ao viver esta, o homem consegue optar pelo que quer e o que não quer, pois, se enxerga, sabe o que existe de bom e mau para si mesmo. Mas a cegueira blinda. A cegueira cega. Claro! Óbvio! A cegueira leva à fantasia que cada um escolhe para si. Mas enxergar é relativo. A visão é dada a todos, mas nem todos fazem questão de usá-la. Alguns não a têm e lamentam por isso. Outros conseguem ver tudo, mas só enxergam mesmo o que querem. Para o que não querem, mantêm os olhos sempre vendados.

Com Davi foi assim. Aos doze, nada podia enxergar. O que via era luz. O que pensava era luz. Ninguém tinha razão. Nada fazia sentido. Pensava ele que o seu problema se resolveria algum dia, mas que isso iria acontecer de repente. Ninguém iria ajuda-lo. Aliás, todos que quiseram ajuda-lo foram completamente banidos de sua vida. A cegueira de Davi parecia ser mental.

Esse menino, brasileirinho, de família mista, com pais separados, jovenzinho dos anos 2000, com carinha de criança, de menino puro, de voz fina e apressada, com um amigo fiel, o Dedé, acreditava que a sua cegueira abarcava o bem e o mal. Mas como assim? Como discernir o bem e o mal se não se pode ver nenhum dos dois? É mesmo verdade que “o que os olhos não veem o coração não sente”?

Davi, então, consultava seu fiel amigo Dedé, que parecia mais ser um oráculo. Dedé era mais velho. Pouco mais velho. Acredito que uns seis ou sete anos mais velho, recém-estudante universitário e com outra mentalidade, e, apesar da pouca idade, mais experiente que Davi.

- Dedé, quando eu vou conseguir enxergar o mundo, hein? Perguntava Davi, ansioso e cheio de esperança, mesmo estando em uma gangorra. Sim, numa gangorra! Ele queria, mas não queria enxergar. Poderia ser perigoso demais saber a verdade, a realidade um tanto cruel.

- Davi, você tem que entender que as coisas não são assim. Você vai enxergar. Uma hora, pode acreditar, você vai enxergar... Com a paciência de um monge, Dedé incentivava o amigo a ter calma, a esperar.

O imediatismo da adolescência é normal, é comum. Os mais velhos, às vezes, perdem a paciência, mas acabam entendendo. E repetem aquele jargão que nenhum jovem gosta de ouvir e acha um saco: “Eu também já fui assim. Na sua idade eu era assim.” Blá, blá, blá de gente mais velha...

Dias, semanas, meses, anos. O tempo passava depressa, e Davi não aguentava mais não poder enxergar. Há muito que ele esperava o momento em que poderia ver. Mas tomou uma decisão! Saiu da inércia e tomou uma decisão. Demorou, é bem verdade, mas teve de pensar muito antes de se decidir. Afinal, enxergar não era uma coisa simples. Não é. Nem pra Davi nem pra ninguém.

Já quase aos vinte e um, Davi percebeu que o esperado momento se aproximava. Vestiu uma bermuda cargo antiga, uma camisa verde com a imagem de um violão branco e calçou os chinelos. Aquela manhã carioca de sol completava a vontade de Davi para descobrir que poderia enxergar. Desceu um pouco apreensivo pelo elevador e, ao chegar à portaria do seu prédio, passou feito um furacão. Caminhou em direção à praia. Era lá que queria ver a verdade. Foi ver o mar. Olhou por minutos. Dez ou um pouco mais. Dali em diante, disse a si mesmo que iria enxergar. Seus olhos abertos não serviriam mais somente para desviar de obstáculos e admirar belas pessoas e paisagens. Davi logo se lembrou de um poeta que havia escrito um bonito verso: “bobeira é não viver a realidade”.

A cegueira nada mais era que a vontade de não ver o que machucava. Mas quando se é maduro e se deseja enfrentar a vida, o primeiro passo é enxergar. Enxergar o bom e o ruim, o bem e o mal, a realidade, as bobeiras, até as bobeiras da realidade...

sábado, 8 de dezembro de 2012

Encruzilhada



José Mário. Esse é um nome comum. Talvez não seja tão comum quanto os outros nomes que passaram pelo caminho desse homem. Aliás, homem comum no Rio de janeiro: advogado, descendente de portugueses, branco, com barba feita, corpo regular. 47 anos, corpo de 35, homem bem cuidado. Seus bonitos cabelos lisos, mafiosamente penteados e grisalhos e seus olhos glaucos combinavam com seus bonitos ternos e chamavam atenção dos olhares femininos e masculinos. Olhares, porém, vazios.

O ano era 2010 e José Mário trabalhava na cidade do Rio de Janeiro. Advogado experiente – 23 anos de formado -, laborava em um escritório no centro da cidade, na Rua São José. De segunda a sexta, tinha de atravessar a famosa Avenida Rio Branco, onde passam milhares de pessoas todos os dias. Pessoas e olhares. José Mário, homem comum, seguia ao trabalho e passava por Juliana, por Carol, por Daniele, por Eduardo, por Luiza, por Carlos, por José, por Jairo, por Maria, por Alessandro, por Cláudia e por muitas outras pessoas comuns. Os olhares eram trocados, é claro. Muitas vezes, os olhares duelavam por alguns segundos e milésimos. Minutos não eram passíveis de uso, pois a quantidade de informação visual e auditiva complicava a vida das pessoas. O sol carioca dava vida ao cinza e ao colorido da cidade. Tudo acontecia com muita rapidez. Nos tempos modernos, praticidade é algo de suma importância.

Mas José Mário, devido a alguns motivos pessoais, às vezes, olhava de forma muito firme. Como homem educado, porém viril e sério, não detinha todos os olhares pelos quais passava. Admirava as belas mulheres da cidade, mas tudo era um caos comumente ordenado, engolindo o tempo de contemplação das pessoas. Todos deviam produzir. Era possível fazer qualquer coisa, desde que se estivesse produzindo ao mesmo tempo.

Em dias mais calmos - e raros -, José Mário atravessava a tão famosa e movimentada Avenida Rio Branco. Mais um bocado de pessoas e olhares. Esse experiente homem se perguntava o porquê de, mesmo em dias mais serenos, não conseguir fixar o seu olhar ao de outrem. Por que só conseguir admirar as bonitas mulheres, as moças do centro? Por que não começar uma conversa com outro olhar?

José Mário lembrara-se que um dia, escutou de uma sábia e experiente professora da sua graduação que, despachos e oferendas não eram colocados às encruzilhadas por acaso. Era nas encruzilhadas que os destinos se esbarravam, se cruzavam. Por isso deixar os despachos nesses lugares.

Parou de se perguntar o motivo de não conseguir encaixar os outros olhares ao seu. Entendeu que nada iria acontecer de forma forçada, montada. Entendeu por que, ao atravessar ruas tão movimentadas, passava ao lado de muitas pessoas, mas nada parecia fazer sentido. Eram simples olhares no meio da multidão. Simples olhares que estavam ali por acaso. Teve de gastar alguns poucos minutos, dois ou três, e entender que olhares e destinos, quando têm que se encontrar, fazem de qualquer rua suas encruzilhadas.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

(Sem) Sentido e direção


Saí. Resolvi sair naquela tarde cinza, pois eu tinha que fazer alguma coisa. Chovia a cântaros e estava frio, mas não ventava muito. Fui à rua quando a chuva deu sinal de cansaço. Pela calçada, eu andava com certa rapidez que fazia - quem me visse - imaginar alguém meio destrambelhado. De repente, um olhar de longe, mas não desconhecido, vinha de encontro ao meu. Pronto! O meu coração começara a acelerar e, à minha cabeça, misturavam-se passado, presente e futuro numa fração de segundos. Um banho! Tomei um banho de um carro que passou rapidamente e isso me fez parar de pensar em tudo. Tão rápido que só depois pude pensar em um palavrão adequado àquele momento para extravasar a minha indignação com a insensatez do motorista. O presente voltara à minha mente.

Ah, aquele olhar...! Senti de longe os batimentos do coração dela, também estava acelerado. Estávamos na mesma direção, mas em sentidos opostos. Eu ia, ela vinha. O carro serviu para nos dar um banho, lavar nossa alma e jogar, junto à água da chuva, as mágoas que ficaram em nosso passado. E sorrimos. Nos olhamos de forma sincera, pura, como nos olhamos na primeira vez que nos vimos.

Cumprimentos, sorrisos, olhares, muita conversa jogada fora. Nos mostramos interessados pela vida do outro e demos importância nenhuma ao tempo. Foi pouco tempo. Tínhamos compromisso, hora marcada. E daí? A nossa vida era bem mais importante. Tudo podia esperar até que nos sentíssemos livres de toda a culpa que tinha nos tomado durante anos. Quando enfim nos sentimos leves, vendo que um próximo reencontro poderia naturalmente acontecer, nos deixamos ir. Tínhamos de ir.

E depois da despedida, tudo ficou sem sentido e sem direção. Ela, como sempre, não olhou para trás. Eu olhei apenas para confirmar que tudo tinha acontecido. Aconteceu! E eu estava sem conexão com o mundo exterior. Meu coração voltou a ficar acelerado e segui meu caminho pensando no passado. Alguns passos e eu voltei a mim. Pronto, estava novamente no presente. E mesmo querendo chegar a um lugar, nem tudo ainda fazia sentido para mim. Ai, ai, eu sempre enxergando tudo com outros olhos. Mas só porque eu acredito no passado.

A chuva voltou forte, com raiva. Alguém parecia não ter gostado de alguma coisa e estava despejando toda a água em cima de mim. Mas a chuva me fez pensar. Parece que a água da chuva fez com que o presente, por um momento, dialogasse comigo. Minutos. Muitos minutos. Agora, eu caminhava em um sentido, mas na minha mente, os pensamentos não tinham direção. Uma grande confusão. Eu fiz uma grande confusão mesmo. E daí? Nada faz sentido se você não souber resolver o problema. Sentido? Por que fazer sentido se, quando ama, a gente perde a direção?

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Sem essa (de não ser feliz)

Voe, passarinha, voe
Pouse em outro coração
Que não seja o meu
Eu sei que quer
Cante, voe
Seja feliz

Corra, princesinha, corra
Vá atrás do seu sapato
Mas que não seja o meu
Que seja perfeito, e não sou eu
Vá rápido
Seja feliz

Ande, meu benzinho, ande
Devagar não, vá com pressa
Vá de encontro a um coração
Mas que não seja o meu
Sem essa de não ser feliz
Sem essa, sem essa

Volte logo, meu amor, volte logo
Voando, correndo, andando, mas volte
Sem essa de não ser feliz
Sem essa

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tudo é amor

Tudo é amor
Porque nos faz feliz
Logo mesmo pela manhã
Antes do primeiro raio de luz
Antes mesmo da besteira no jornal
Da notícia e do café

Tudo é amor
Ainda que traga dor
E mesmo que nos faça ter saudade
É amor depois do sono
No final da tarde

Tudo é amor
Desde o brilho das estrelas
Até os latidos na madrugada
Desde o silêncio dos poetas apaixonados
Até a canção que toca no rádio
Tudo é amor...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O seu bem

Está escuro
E só o que eu tenho é a luz das estrelas
E o aviso da lua
Que você está perto
E nua
Está longe
E crua

E tudo o que eu tenho é a minha doença
Mental
Meus sonhos, meus sonhos
Desastre

E tudo o que eu vejo são faróis
Seguindo um caminho estranho
Um caminho que eu não sigo
Que eu não tenho

Mas tudo o que vejo são luzes
Pontinhos brilhantes e belos
Lindos, brancos, azuis e amarelos
Mas só o que eu sigo é mais belo
Não é vermelho, não tem cor
Eu sigo seu amor, meu bem
Eu sigo meu amor
O seu bem

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O seu nome


Você pra mim é um papel
fino, liso, caro
raro
em que eu escrevo só coisas bonitas
em que eu derramo palavras lindas
e não borro, nem erro
pelas linhas, vou riscando meu amor
o seu nome belo
E se me fogem uns garranchos
Paro, apago e recomeço
Pois busco a perfeição no seu nome
No seu amor, meu coração
No meu coração
O seu nome.

sábado, 25 de agosto de 2012

Mais que um eu te amo


Queria poder
Para você
Dizer mais que um
eu te amo

Mas se parece simples,
Te digo mais umas quinze,
Vinte vezes
Para reforçar a ideia

Queria poder
Para você
Dizer mais que um
Eu te amo
E te quero

Mas se parece cedo
Muito cedo mesmo
Paciente, eu amo
E como quem ama,
Espero

Quero poder
Para você
Dizer mais que um
Eu te amo

E se me der oportunidade
Se me deixar à vontade
Peço que me ame sempre assim
Tanto e pela eternidade

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Pode ser assim


Pode ser assim
A gente troca versos
Vai varando a madrugada
Discutindo nosso amor incerto

Tudo bem, pode ser
Você longe, eu perto
Muito perto, e você
Cada vez mais perto

Bem, deve ser assim
A gente combina, promete, jura
Que nosso amor doente não vai ter cura

Se for assim, que seja
Se não for, a gente planeja
Depois desfaz, replaneja
E pensa que no nosso amor nada tem que dar certo
Pode ser assim...

quinta-feira, 26 de julho de 2012

De qualquer forma que o vento soprar

O vento varreu
Meu amor do breu
E levou meu coração
De encontro ao teu

O vento soprou
E a dor passou
E agora não espero
Que ela vá voltar

O vento disse
Com voz rude, com raiva
Que não mais traria
Dor em sua ventania

Mas o vento chorou
E a chuva caiu
Te levou de mim
Meu amor partiu

E agora espero
O vento voltar
Quero te ter
De qualquer forma que o vento soprar

terça-feira, 17 de julho de 2012

Segredo de Sheik

Farrokh Al Nahyan e Samir Al Khelaifi conversavam por horas e horas. Negócios. Negócios capitalistas, dinheiro, trabalho, acordos, grandes acordos, conquistas. Uma opinião, duas, três... Concordaram. E estavam agora admirando a paisagem. O Sol anunciava seu descanso e descia ao mar carioca. A vista do hotel era linda. Foto perfeita, cena de cinema. O céu, numa mistura de belas cores, mostrava a morte do dia. “O dia também morre e é lindo”¹. Através do seu Ray-Ban, Farrokh se entorpecia com a beleza do final da tarde. Samir, por sua vez, cantarolava Amr Diab. Matando tempo, os dois bons amigos decidiram abandonar a seriedade capitalista de Dubai e entregar o jogo. Farrokh comenta, um pouco magoado, seu segredo de sheik. Disse que seu coração parecia patrimônio da humanidade. Muita gente queria ter seu coração e teve, mas destruíram quando tiveram. - E os patrimônios da humanidade são assim: muitos querem ter, mas nem todos cuidam como devem. - Samir lamenta, fixa o olhar num belo edifício que reflete as cores do crespúsculo e leva um breve silêncio à conversa. De forma um pouco lenta, levanta a cabeça, olha para Farrokh e arrisca uma conclusão ousada: - Meu amigo, digo que, nesse mundo, até mesmo nós, sheiks de Abu Dhabi, amamos, erramos...e também sofremos. Nem todos sabem cuidar do que gostam. Nem todos querem cuidar do que gostam. Ter é muito fácil quando não se tem o costume de cuidar. ¹ verso da música Nós – Cazuza/Barão Vermelho

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Amar e errar

Errar é como amar: quem erra, nuca erra uma só vez. Quem ama, nunca ama uma só vez. Quem ama, exagera e erra; Quem erra, ama e exagera. Mas a diferença se mostra quando quem erra aprende, mas, quem ama, às vezes faz questão de não aprender. Eu sei que não erro, mas também sei que não aprendo.

Aparências

Sim, todos nós queremos sempre o hambúrguer da propaganda: grande, tão detalhado quanto saboroso, muito gostoso, delicioso. É, queremos mesmo. Imagine se os sanduíches que a gente compra fossem “iguais” aos dos outdoors. Obviamente, seria impossível ter o mesmo tamanho, mas eles poderiam ser um pouquinho maiores, né!? É isto que sempre acontece: as aparências enganam. Sempre enganam? Será que posso generalizar assim? As pessoas procuram algo que possa completá-las. Procuram uma metade que, antes de tudo, seja linda por dentro. Afinal, “o que importa é o que você é por dentro.” Essa afirmação contém uma verdade absoluta? Não sei, mas pelo menos ela é uma frase-modelo, que serve para as pessoas mais “puras”, simples e sempre contentes com a vida. É muito simples dizer que uma pessoa pode não ser o que aparenta e vice-versa. A questão é que, muitas vezes, o que pode mesmo – momentaneamente – importar é a aparência. Nem tudo serve para toda a vida. Às vezes, o que chama nossa atenção, o que desperta nosso interesse, na realidade, é só a aparência. Isso não se pode negar. No entanto, quando percebemos que estamos diante de algo a mais, a aparência chega a ser até mesmo um simples detalhe. Somente um detalhe. Esse discurso comum (“o que importa é o que você é por dentro”) nem sempre é tão válido. Ademais, as pessoas estão parecendo ter conceitos e opiniões mais “modernas” sobre o assunto. No entanto, aparência já não faz mais parte de um estereótipo. As pessoas começam a perceber que, apesar dos modismos e “imposições” da sociedade, cada um tem um gosto próprio que não está sujeito a mudança. Está sujeito a influências, mas não a mudanças. Pareça bonito(a), lindo(a), estiloso(a), feio(a), enfim, pareça você. Pode acreditar que sua aparência agradará um outro alguém. Se sentir que uma pessoa consegue te enganar pela aparência, investigue. Nem sempre o que está por fora traz mais prazer do que pode ser encontrado por dentro.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Talvez

Talvez tenha sido o último “muito obrigado” que recebeu, mas o rapaz só queria mais amor. Talvez tenha sido o último elogio, mas o rapaz não estava satisfeito. Nada tinha o feito feliz naquela conversa. Ou não! Talvez a esperança de uma resposta positiva, talvez a esperança que ele não queria ter, mas tinha. Talvez tenha ficado mesmo muito feliz por ter ajudado, por ter escutado e por ter falado. Talvez, na verdade, não tenha gostado. Talvez ele não tivesse aprendido ainda que a vida é assim: ninguém pode ser feliz ao mesmo tempo. Ou não! Talvez ele precisasse de mais ou menos tempo para pensar, para entender o que é o tempo. Talvez o rapaz tenha ficado triste, chateado, um caco. Talvez, ao telefone, ele estivesse trêmulo por estar com medo. Mas talvez tenha sido só uma noite fria. Talvez ele tenha amado.

domingo, 8 de abril de 2012

Dia de Páscoa


Foi completamente normal. Foi um domingo normal como todos os outros sempre são. Talvez o almoço tenha sido mais gostoso e mais familiar, mais amigável. Chegaram umas mensagens educadas, uma simples, mas importante ligação de uma amiga. A semana foi cheia, mas não tão diferente do que costuma ser.
Não me animei para comprar chocolates desde o início das propagandas. Por tentativa de malandragem, evitei enfrentar longas filas. No entanto, as filas, hoje em dia, fazem parte do cotidiano de qualquer pessoa. Impossível evitá-las. Os chocolates foram comprados, os ovos e a esperança. Por que esperança?

Lembro-me de ser criança e não ganhar tantos ovos de Páscoa como as crianças de hoje ganham. Meu pai, um tanto contrário e “insensível” a essa data, aceitava comprar trocentas barras de chocolate e caixas de bombons. No entanto, comprar ovo de Páscoa era “bobagem”, e mal me lembro de ter recebido dele, meu pai, algum ovo de Páscoa.
Certo dia, porém, recebi um ovo de Páscoa de uma amiga da família, e me recordo desse como o primeiro que ganhei na vida. A felicidade foi instantânea. Comer chocolate sempre foi bom, mas como toda criança, eu tinha a esperança de encontrar algo dentro do ovo, de ver qual seria o tesouro, ainda que fosse um simples brinquedo de encaixe.

Hoje, mais velho e não dando tanta atenção a chocolates, sinto-me sempre bem em dar ovos de Páscoa às crianças. Por quê? Para provar que sou bom e garantir um lugar perfeito na minha vida após a morte? Não. As crianças são sempre cheias de esperanças. Pode até ser bobagem um ovo de Páscoa, mas ao receber um, a criança ativa essa esperança do que vai encontrar, se vai ser legal ou não. Acredito que dar possibilidade a uma criança de ter esperança pode fazer com que a mesma repita esse ato no futuro. O mundo precisa de gente que sonhe, que tenha esperança. Faz-se o bem ao permitir que alguém espere encontrar algo com que se deslumbre, mesmo que seja um simples brinquedo moderno.

O chocolate é o de menos. Para uma criança, uma barra, uma caixa de bombom não vai ter graça. Essas coisas podem ser abertas sem nenhuma esperança.
Sempre querem descobrir o que há dentro do ovo, o que há de “mágico”. Sei que além de ter brindes, dentro dos ovos de Páscoa sempre há a esperança de existir alguém que tentou, pelo menos, não destruir a inocência das crianças diante do mundo real e talvez um pouco cruel em que os adultos vivem.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Por você

Eu fui dormir com um sorriso
Porque sorri por você
Eu fui dormir todo encolhido
Pensando no que poderia acontecer

Pra me consolar
Pra te consolar
Nos dias em que não te tenho
Nas horas sem você

Eu fui te paparicar
Pra você me notar
Antes de me deitar
Pra você lembrar

Que eu sorri
Mas só sorri por você
Que eu até me esqueci
Sorrindo e pensando em você

terça-feira, 20 de março de 2012

Um sonho para a liberdade


Ele só sonhava e sonhava. Acordava por descuido, por obrigação. Era sempre acordado pelo despertador ou por alguém. Gostava muito de sonhar.

Mas as obrigações não podiam ser – e não eram – esquecidas. O soldado Thomas Franz Dürer estava pronto às seis da manhã. Com uniforme simples, mas limpo, bem passado, botas engraxadas, impecável. Barba feita e os seus cabelos lisos e loiros bem cortados. Antes de pegar a sua arma e seu quepe, olhava sempre para o símbolo que havia em seu braço esquerdo, destacando no uniforme o poder e a submissão. Para alguns outros, o símbolo destacava o medo e a impotência diante de um alguém com uma mente pensante. A schutzstaffel (SS) era uma organização ligada ao partido nazista e a Hitler, e em 1941, passou a comandar os campos de concentração.

Era alemão. Alemão puro. Dürer era puro, de sangue azul, perfeito para a seleção que a SS fazia dos seus soldados. Tinha de ser, obviamente. Afinal, o Fürer queria, além de proteção, o extermínio de outros grupos étnicos minoritários.
- Juden, um zu sterben! (Que morram os judeus!)
Ademais, o mais importante era a lealdade. Hitler queria lealdade. Do povo alemão, da SS, dos seus ministros, da Alemanha. Mas se Himmler, que era chefe principal da SS, fora acusado de traição, por que todos os soldados haveriam de ser leais? die Loyalität!

Nos intervalos que tinha para pensar em tudo o que acontecia ao seu redor, Franz Dürer tragava o cigarro com todo o prazer que podia, e via na fumaça palavras soltas querendo se encaixar à sua mente.
- Como pode haver tantas mortes? Não consigo mais ver pessoas morrerem somente por não seguirem o Fürer. Esses outros imbecis daqui não têm coração. Os filhos da puta não economizam bala! Droga, se eu fizer alguma coisa, vou ser caçado e morto. Sou alemão e puro, mas não vou assistir às mortes gratuitas até o fim do mundo, até o fim dessa merda toda.
Subitamente, o soldado aspirante a traidor jogou o cigarro ao chão e o apagou, dando uma última, rápida e brusca baforada com intenção de afastar a fumaça num segundo. Assustou-se por ver outros soldados que estavam mais a frente se organizando e temendo a iminente presença pesada do Fürer.
Em fila, os soldados levavam à frente os braços direito, enrijecidos, e soltavam um grito firme e conciso, feito um coro bem ensaiado, ao verem Hitler passar.
- Heil Hitler! (Salve Hitler!)
- Heil! Deutschland über alles! (Alemanha acima de tudo!)
Após aquela presença rápida e tenebrosa, Franz Dürer continuou com seu pensamento de “fuga”.
- É inviável fugir, é impossível. Eu tenho que arranjar um jeito de sair daqui.

Estava sendo sobrevivente de um desastre mental. E se pudesse, vomitaria a solução. Eis que num instante, a mesma chegou. É bem verdade que Thomas Franz Dürer era alemão, de sangue azul, soldado da SS. Era um homem bonito, militar típico, alto e sério. Alemão. Mas quem disse que o amor, a paixão pelas coisas não atinge os alemães? Atinge. Todo humano pode amar. A música era sua paixão, era o que fazia bem a ele. À época, o mundo vivia barulhos de explosivos e projéteis; gritos agudos de dor por balas e outras agressões. Era guerra! Já que não tinha tanto contato com as outras poucas pessoas que falava, adorava a música como um amor incondicional. Talvez fosse uma questão de alma. die Musik!
- Posso tocar na banda da SS! É um jeito de fingir minha lealdade e não ser morto. É um jeito de fugir pra um lugar longe daqui. Es könnte funktionieren. Hat nach rechts gehen! (Pode dar certo. Tem que dar certo!)
Era um plano inicial. Era um plano de liberdade. Um plano de vida. Plano? Só Adolf Hitler fazia planos, grandes planos. Liberdade? Na Alemanha nazista e em plena Segunda Guerra? Complicado demais para um soldado. Mas por que não tentar? Os sonhos são feitos para que o homem possa acreditar nos seus planos e caminhar, seguir sempre os seus objetivos.
(...)
- Bom, estudei um pouco mais de música no colégio, senhor! Creio que posso integrar a banda da SS.
- É mesmo, soldado? Se acha bom o bastante para integrar a banda que se apresenta para o grande Führer?
- Senhor, estou pronto para fazer qualquer coisa que faça bem ao Führer!
Dizia com um tom trêmulo de voz, um timbre insistindo em ser firme, mas desafinando no momento de citar o Führer. Falsa lealdade! Falso soldado! Geist falsch (mente falsa).
- Está bem, soldado. Será integrante da banda da SS, pois alguns outros integrantes sofreram um ataque e morreram. Precisamos de alguns homens para tocar no discurso que o Führer vai fazer por ter conseguido invadir, com sucesso, a Iugoslávia e a Grécia.
- Obrigado, senhor! Darei o melhor de mim para o Führer!
- Sem problemas, soldado Dürer. Se não o fizer, pagará com a sua vida...

Após as últimas palavras, o tenente buscou, paciente e incerto, seu isqueiro e o maço de cigarros pelos bolsos do uniforme. Esperou a continência do soldado e sentou-se, acendendo com prazer seu cigarro. Um olhar arregalado para o tenente Müller, e uma continência firme, aliviada. Agora, o soldado, de certa forma, estava livre daquele cenário sombrio, de morte, submissão e impunidade.

Julho de 1941. O Führer Adolf Hitler prepara um discurso para apresentar sobre a conquista da Iugoslávia e da Grécia. Alguns alemães tão radicais, racistas e xenofóbicos quanto Hitler vibravam com todos aqueles preparativos para o discurso do líder. Complexo paradoxo: herói-vilão. Um herói para um povo e vilão para o mundo.
A banda se preparava para a “cerimônia” e os soldados estavam devidamente ensaiados. Desde a invasão e conquista, em abril de 1941, a banda passou a ensaiar alguma coisa mais requintada para a apresentação do Führer. Thomas estava pronto. Pronto para a liberdade.
Já tinha fugido do que não queria ver, mas estava insatisfeito. Queria mais! Estava baixo, queria deixar aquela vida de lado. Thomas, quem você pensa que é para trair o Führer? É um soldado, só mais um soldado. E pertence à Alemanha. Pertence ao Führer.

As sinfonias tinham que ser belas, exatas como a matemática. Ao líder, só se oferecia lealdade e perfeição.
Estavam todos prontos, ansiosos e impacientes, como um noivo - que espera ao altar, e quase sempre com aquela imagem de sua amada fugindo ou não comparecendo – uma noiva. (...) Cena de cinema!
Aguardavam a chegada de Adolf Hitler ao salão, para que o mesmo proferisse seu discurso e ouvisse a salva de palmas tão importante, unidas aos gritos de “Heil Hitler!”. Quanto narcisismo, não? Hitler via a imagem dos seus mirabolantes planos de guerra refletida nos rostos e vozes alemães.
A banda estava pronta, preparada. Thomas estava nervoso, tenso e infeliz. Infeliz! E uma coisa era certa: ele sonhava! Tinha esperança de que tudo aquilo iria acabar em breve. Não podia morrer sem ver a vitória da paz. Ele sonhava...
Plan b: die flucht.

A banda começou a tocar e não havia mais o que fazer. Fuga! Thomas fugiu minutos antes de a cerimônia começar, deixando para trás seu paletó com aquele símbolo maldito e seu instrumento, o saxofone. Levava consigo somente a coragem. Sabia que era a hora abandonar também aquela vida velha, morta. Tudo isso porque era um homem livre. Queria ser um homem livre. E sonhava...
No caminho, antes de sair, no corredor do salão, deparou-se com o sargento da banda, Mario Metzelder. Um sargento experiente, já mais velho, quase com sessenta anos. Espantado ao ver o soldado sem o instrumento e o uniforme, e no lugar onde não devia estar, o sargento perguntou:
- Aonde pensa que vai, soldado Dürer? Não devia estar aqui!
O olhar do soldado foi de encontro ao do sargento, encarando-o com um pouco de temor, mas lutando para se manter à mesma altura.
- Sou como o senhor, sargento, e amo a música! Não vou mais ficar aqui! Vou fugir!
A voz do soldado era trêmula, e saía num sussurro a fim de não despertar atenção de outrem.
Compreensível, o experiente sargento olhou para baixo, concedendo permissão ao soldado com um simples gesto positivo com a cabeça.
- Soldado Dürer... Se é assim que quer, se é mesmo esse o seu sonho... vá. Espero que não te achem logo, pois será considerado um traidor. Ama a música? Vá ao Emerald Bar. Lá tem o que você procura.
Com um leve sorriso, o soldado, com o mesmo gesto do sargento, concordou com o mesmo e aceitou a dica.
Foi correndo, foi na hora, foi resgatar o seu amor.

O Emerald Bar era um bar de uma família norte-americana que tinha parentes alemães, e levava diversão e música às pessoas. À época, jazz. Era o ritmo que estava em alguns lugares dos Estados Unidos.
Naquela noite, havia poucas pessoas no bar, pouco movimento. Mas o jazz era um som lindo, que alegrava as pessoas daquele lugar. Elas esqueciam que viviam num cenário de guerra, e dançavam, cantarolavam, umas querendo cansar as outras.
Franz Dürer entrou e ficou pasmado. Era um homem livre atrás do seu amor, a música.
De camiseta branca, calças do uniforme e sapatos sociais, o soldado caminhou dançando, parecendo estar em transe, até o palco. Embalado no som da banda que tocava ao vivo, subiu ao palco e pediu, somente com gestos, o saxofone do integrante da Jazz-y Band e sentiu-se num êxtase.
Isso tudo porque sonhava, porque era um homem livre e tinha um amor que nunca o decepcionava. No ritmo de jazz, a felicidade era indescritível. Nada mais importava naquele momento...

- Franz, acorda, já são seis e meia, vai se atrasar para a reunião no escritório, meu amor.
- Mas já? Que droga..! Não pode imaginar, Bárbara! Tive um sonho estranho, mas bacana. Meu falecido avô Mario também estava no sonho.
- Ah é? E como foi?
- Sonhei que estava em 1941, que eu era um soldado e fugi da SS para tocar jazz lá no Emerald Bar.
- Hahaha, que loucura...!
- É, foi um sonho para a liberdade.


(A foto foi feita em 1936 no porto de Hamburgo, Alemanha. E o homem que não saudou nazistas se chamava August Landmesser)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Preto no branco

Céu, noite e nuvem
Água, fogo, fuligem
Yin yang, yen
Dólar, saúde, amém
Riso, choro, medo
Paixão, fogo e desejo
segredo
Calça, camisa, sapato
Eu, você, um pacto
Ele, ela, nós
E mais ninguém
Amar, o mar, ao mar
Além
Alma, alegria, discórdia
Saudade, pecado, perdão
Batida marcada no coração
Olho no olho
Certo e errado
Uma visão, um mundo, um pranto
espanto
Preto no branco
Luz e sonho

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Amortite


Dói. Às vezes, dói muito, incomoda, se torna desconfortável.
Quando dá no coração, ele incha, pulsa, pulsa, pulsa bem mais rápido, inflama.
Remédio que cure? O tempo. Ou talvez nem o tempo.
E há quem goste de saber que tem amortite, que está sentindo dor de amor. É uma dorzinha que às vezes faz bem à vida, dá ritmo e motivo.
Por outro lado, amortite causa cegueira, dor de cotovelo, sonhos e paixões impossíveis. Causa esperança.
Olhinhos brilhantes procurando o nada e sorrisos repentinos no canto da boca são os sintomas.
Muita gente prefere não assumir que está com amortite, pois têm medo da cura que, em alguns casos, deixa cicatrizes, marcas desastrosas na mente. Mas se amortite é dor, muitos concordam que existe um pouco de prazer....Ah, admitamos isto: quando a gente sabe que está com amortite, o que a gente menos quer é um remédio.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Sem título

Um título pra quê?
Pra que um título se eu não o tenho?
Nem penso em ter, é inútil
É inútil pra este documento

Documento por quê?
Por que documento?
Se não diz nada importante
Nem tem assunto de cartório

Pra quê cartório?
Pra oficializar o que?
Se está tudo destrambelhado, desorganizado
Quem é que vai querer ler?

E pra que ler?
Ler só por ler?
Porque só ler sem sentir é não ler
Sem sentir não se pode compreender

Mas compreender o que?
Por que compreender?
Não tem rubrica famosa, de estrela da moda
E ninguém mostrou na tevê

Por que tevê?
Só serve tevê?
Se você ler, pode até entender
Que está desorganizado, não tem rubrica famosa, não diz nada importante, é inútil, não passou na tevê.
Mas se ler, vai entender, vai compreender e vai sentir o que está além disso. Com isso, mais se lê.